ROMA, 3 de setembro (IPS) – Para combater a fome e a pobreza, é crucial uma ação climática urgente. Mas a acção climática pode inadvertidamente exacerbar estes problemas nas zonas rurais. Os países devem desenvolver estratégias climáticas que tenham em conta o impacto sobre os pobres rurais e incluam medidas de protecção social.
Em Julho do ano passado fomos confrontados com estatísticas alarmantes: 733 milhões de pessoas sofreriam de fome em 2023, o equivalente a uma em cada 11 pessoas em todo o mundo. Em África o número era ainda maior: uma em cada cinco pessoas passava fome. As alterações climáticas são um dos principais desencadeadores desta crise.
Paradoxalmente, medidas políticas bem-intencionadas para combater o aquecimento global também podem ser uma causa de fome, especialmente entre os pequenos agricultores dos países mais pobres, se estas medidas não forem acompanhadas de medidas para reduzir as desvantagens socioeconómicas.
As mudanças graduais na temperatura e na precipitação reduzem os rendimentos do sector agrícola, do qual os pobres dependem em grande parte, e acontecimentos súbitos, como inundações e secas, destroem as suas colheitas e o seu gado. De acordo com o Banco Mundial, as alterações climáticas poderão empurrar até 135 milhões de pessoas adicionais para a pobreza até 2030. Medidas urgentes para conter as alterações climáticas são, portanto, essenciais para a luta contra a pobreza e a fome.
Contudo, se não tivermos cuidado, os esforços em matéria de alterações climáticas podem prejudicar o progresso no combate à pobreza e à fome. Um exemplo atual é o regulamento da União Europeia sobre produtos livres de desmatamento, introduzido em junho de 2023. Este regulamento visa garantir que os produtos adquiridos e consumidos na Europa não contribuem para a desflorestação através da expansão das terras agrícolas para a produção de gado, madeira, cacau, soja, óleo de palma ou café.
Por um lado, a redução da desflorestação é essencial para combater as alterações climáticas e pode beneficiar muitos dos um a dois mil milhões de pessoas que dependem das florestas para a sua subsistência.
Por outro lado, porém, os custos destas medidas são suportados de forma particularmente pesada pela população rural pobre, que não dispõe dos meios necessários nem da capacidade necessária para implementar estas medidas. Isto também inclui aqueles que atualmente ganham a vida desmatando novas terras. Estima-se que esta população seja responsável por cerca de um terço do desmatamento florestal.
Os governos de 17 países da América Latina, África e Ásia já tinham alertado que o regulamento da UE já estava a ter um grave impacto negativo nas populações mais pobres destes países, especialmente nos pequenos agricultores.
Sem apoio, enfrentam enormes desafios no cumprimento dos novos procedimentos complexos. Ao mesmo tempo, muitas vezes falta-lhes a capacidade e os recursos para manter ou aumentar a sua produção agrícola sem aumentar a área cultivada. Isto é ainda mais verdadeiro no contexto do agravamento das alterações climáticas, que está a reduzir os rendimentos agrícolas.
Embora a agenda climática deva avançar rapidamente, as compensações socioeconómicas da política climática para os diferentes grupos populacionais – especialmente os mais vulneráveis - devem ser tidas em conta desde o início. Os países, especialmente aqueles com elevados níveis de pobreza e fome, precisam de ser apoiados e encorajados a combinar políticas verdes com medidas que permitam aos pequenos agricultores adaptarem-se a novas condições ou fazerem a transição para meios de subsistência novos e dignos.
A protecção social – que inclui políticas e programas de combate à pobreza e à vulnerabilidade – pode desempenhar um papel fundamental na facilitação destas transições. A curto prazo, pode ser feito através de pagamentos regulares em dinheiro para compensar quaisquer impactos sociais negativos da política climática. A longo prazo, pode ser apoiado combinando estes pagamentos com assistência técnica, formação de competências e medidas de subsistência que podem ajudar as pessoas a adaptarem-se e a prosperarem no novo ambiente político.
Esta abordagem já está a ser implementada em vários países.
Na China, uma lei que protege as florestas afetou cerca de um milhão de trabalhadores florestais públicos e 120 milhões de famílias rurais, ao restringir o acesso aos recursos florestais. Para mitigar estes impactos, os funcionários públicos receberam apoios, tais como serviços de emprego, subsídios de desemprego e planos de pensões. Como resultado, dois terços dos trabalhadores afectados foram transferidos para outros empregos ou reformaram-se, enquanto 124 milhões de famílias beneficiaram de uma transferência de rendimentos.
No Brasil e no Paraguai, os programas de proteção social e de agricultura complementar estão a ajudar as famílias rurais a adotar práticas agrícolas mais sustentáveis e lucrativas. Paraguai Pobreza, reflorestação, energia e alterações climáticas (PROEZA) oferece às famílias participantes do principal programa de proteção social do país Tekoporacom suporte técnico e dinheiro adicional. Graças a isto, os pequenos agricultores podem adaptar as suas práticas agrícolas para serem mais resilientes às secas cada vez mais frequentes, ao mesmo tempo que aumentam a sua produção de culturas nativas, como a erva-mate.
A situação é semelhante no Brasil: Bolsa verde O programa prevê pagamentos em dinheiro aos beneficiários do programa nacional de transferência social, bolsa família, em troca da preservação ou restauração de florestas, da proteção das fontes de água e da promoção da agricultura sustentável.
Os governos devem ser encorajados e apoiados a introduzir e expandir medidas de protecção social para garantir que os mais pobres e mais vulneráveis não suportam o fardo de enfrentar a crise climática e de tornar o consumo mais ecológico por parte das pessoas nas partes mais ricas do mundo.
Devemos, portanto, dar preferência a uma abordagem que preste especial atenção às consequências sociais e ambientais das medidas de combate às alterações climáticas. Os programas de proteção social desempenham um papel fundamental na construção de um futuro que beneficie tanto as pessoas como o planeta.
Marco Knowles chefia a equipe de proteção social da FAO. As suas áreas de especialização incluem a melhoria do acesso à proteção social nas zonas rurais e o aproveitamento da proteção social para a ação climática. Ele também tem uma vasta experiência no fornecimento de apoio a políticas de segurança alimentar com base em evidências e apoio ao desenvolvimento de capacidades.
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