RIO DE JANEIRO — Quando o conflito entre o bilionário Elon Musk e um juiz do Supremo Tribunal brasileiro atingiu o seu clímax na semana passada, houve reviravoltas jurídicas, insultos, ultimatos, desafios e, finalmente, capitulação. Quando a poeira digital baixou, X se tornou um ex.
A plataforma de mídia social de Musk foi banida em todo o país e o juiz Alexandre de Moraes aplicou uma multa enorme de US$ 9.000 por dia a qualquer pessoa que use uma rede privada virtual (VPN) para contornar a proibição. Os usuários X do Brasil que procuravam uma nova plataforma acabaram principalmente com Threads e Bluesky.
“Olá a todos no Brasil”, postou Shauna Wright no Threads no dia em que de Moraes ordenou a suspensão de X.
Nem todo mundo estava no X; As massas sociais do Brasil estão principalmente no TikTok, Instagram e Facebook. Mas X teve uma influência descomunal em termos de jornalistas, definição de agenda e líderes de opinião. Foi o campo de batalha local da guerra cultural global e a galeria de amendoim para jogos de futebol e reality shows, especialmente o Big Brother. Então, quando o X desapareceu neste país fortemente on-line de 213 milhões de habitantes, seus usuários começaram a sair.
A postagem de Wright foi uma piada interna para ex-funcionários da empresa, então chamada de Twitter, e uma homenagem à postagem premiada quando o Instagram, o Facebook e o WhatsApp da Meta caíram em 2021 e os usuários migraram para o Twitter em busca de informações. Com sua contribuição, Wright também quis expressar uma saudação sincera a todos os amigos brasileiros.
“Foi bem recebido mesmo por aqueles que não receberam a referência, mas não precisavam!”, disse Wright, um designer de conteúdo que posta sob o pseudônimo de “goldengateblonde”, à Associated Press em San Francisco. “Fiquei feliz que isso fez as pessoas se sentirem bem-vindas.”
A Meta lançou o Threads no ano passado em meio a uma reação generalizada à compra do Twitter por Musk em 2022 e à reversão de muitas de suas políticas e recursos – da moderação de conteúdo ao sistema de verificação do usuário.
Abrir uma conta Threads foi fácil para os usuários do Instagram, então a plataforma se expandiu rapidamente. Em julho, a plataforma tinha 175 milhões de usuários mensais em todo o mundo, segundo o CEO da Meta, Mark Zuckerberg. A Meta não quis fornecer nenhuma informação sobre os usuários brasileiros.
Mais brasileiros foram para o Bluesky, uma plataforma menos conhecida que não apenas se parece muito com o antigo Twitter, mas também cresceu a partir dele. O projeto favorito do ex-CEO Jack Dorsey acabaria por substituí-lo. Ainda não se sabe se isso será possível, mas os brasileiros começaram a fazer a sua parte. A Bluesky adicionou 2,6 milhões de usuários desde a semana passada, 85% deles do Brasil, informou a empresa na quarta-feira, elevando o total para mais de 8 milhões.
“Bom dia a todos”, postou o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva no Bluesky and Threads no domingo. “O que você acha disso aqui?”
“Nossa saúde mental já dá sinais de melhora”, respondeu Tatiane Queiroz, de 43 anos, no Bluesky, onde se descreve como uma “refugiada do Twitter em Mato Grosso”, um estado da região agrícola do Brasil.
Bluesky posta em português para ajudar os brasileiros a se orientar e encontrar aqueles com quem já se conectaram anteriormente. Isso foi comemorado na quarta-feira, quando o telejornal noturno da Globo, que tem mais de 20 milhões de telespectadores, lançou no ar sua nova conta Bluesky. Pioneiros que já se consolidaram dão dicas e compartilham os chamados “pacotes iniciais” com contas que você pode seguir.
Jefferson Nascimento, advogado de direitos humanos de São Paulo, reuniu dez pacotes iniciais para ajudar os recém-chegados a começar.
“Para fortalecer de alguma forma o ambiente e torná-lo mais agradável para outras pessoas, para que não haja outro pânico em massa quando o Twitter (X) voltar – se voltar em algum momento”, disse Nascimento, de 42 anos, quem tem 135.000 seguidores no X tinha, ou seja, mais de três vezes o seu número de seguidores no Bluesky.
Alguns compararam o Bluesky aos dias tranquilos do Twitter no início de 2010. Egerton Neto, 30 anos, abriu sua conta Bluesky no dia em que X fechou. Ele tem apenas 8 seguidores – muito menos do que seus 252 em X – mas aprecia a discussão mais pacífica de Bluesky e sua natureza menos viciante intencionalmente. Ele disse ao telefone de Recife que também gosta de ver como os desenvolvedores interagem com a comunidade na construção da plataforma.
Para os brasileiros – pelo menos para os millennials – começar tudo de novo na internet é um déjà vu. Eles estiveram entre os primeiros a adotar a antiga rede social do Google, Orkut, e dominaram a plataforma até seu fechamento em 2014. Eles migraram para o Facebook em massa.
O CEO da Bluesky, Jay Graber, disse à AP na segunda-feira que essa onda de brasileiros ressalta uma das missões da empresa: permitir que os usuários troquem de plataforma e mantenham conexões – semelhante a trocar de operadora, sem perder números ou contatos.
Em redes sociais estabelecidas como TikTok ou Facebook, os usuários só podem interagir com pessoas na mesma plataforma. Não há interoperabilidade. As grandes empresas tecnológicas protegeram amplamente as suas presenças online, o que beneficia os seus modelos de negócios centrados na publicidade. A Bluesky está desenvolvendo a base técnica – o chamado “protocolo de conversação pública” – que poderia fazer com que as redes funcionassem mais como e-mail, blogs ou números de telefone.
“A situação em que os usuários se encontram hoje é uma espécie de armadilha, porque os usuários estão presos a essas plataformas sociais e os desenvolvedores estão excluídos delas. E isso significa que você está essencialmente preso em um lugar onde deveria receber um serviço, mas agora ele controla toda a sua vida social”, disse Graber. “Uma das coisas fundamentais em que acreditamos é que as relações sociais de um usuário, como sua rede social, suas conexões com seus amigos, devem pertencer a ele.”
O relatório Digital 2024: Brasil estimou que X tinha 22 milhões de usuários no Brasil, apenas um sexto do número do Instagram e cerca de um quinto do Facebook ou TikTok. Mas esses números insignificantes desmentem a sua importância como ponto de encontro para jornalistas, políticos, académicos e celebridades, cujas interações reverberaram muito além das suas fronteiras, diz David Nemer, especialista em antropologia tecnológica na Universidade da Virgínia.
“Embora o Twitter possa não ter esse impacto direto no brasileiro médio, ele tem um impacto na imprensa, que em última análise tem um impacto indireto no brasileiro médio”, diz Nemer, que também é brasileiro. “Esse é o tipo de influência que o Twitter tem – ou teve – no Brasil.”
De acordo com dados da empresa de pesquisa de mercado Similarweb, o X foi o quarto aplicativo de mídia social mais baixado do Brasil na Google Play Store um dia antes de ser bloqueado; Bluesky agora os ultrapassou. Na App Store da Apple, o Bluesky se tornou o aplicativo mais baixado de todos os tipos, de mídia social ou não. Em 30 de agosto, dia em que Moraes ordenou o bloqueio, o número de usuários brasileiros ativos diários do Bluesky chegou a 3,4 milhões, enquanto o número de X era de 6,1 milhões naquele dia.
Dados da Similarweb também mostraram que muitos brasileiros usam VPNs para permanecer no X. Nemer disse que assistiu de sua casa em Charlottesville enquanto alguns políticos de extrema direita postavam descaradamente postagens desafiando a Suprema Corte do Brasil a impor a multa exorbitante.
Mas a maioria dos brasileiros foi embora e teve gente no X que se arrependeu da saída.
“Perder o Brasil é como perder Samantha em ‘Sex and the City’. “Você perde as melhores frases e a energia sexual que define a plataforma/programa”, postou Sam Stryker, que supervisionou os canais globais de entretenimento de marca do Twitter até 2022 – e até administrou a conta do Twitter no Twitter.
E usuários expatriados brasileiros do X se estabeleceram em seus novos lares digitais, como o colunista e estrela da Internet Chico Barney.
“Bluesky como refúgio pós-Twitter prova de uma vez por todas que não é o lugar que importa, são as pessoas”, escreveu ele na quarta-feira.
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Ortutay relatou de São Francisco